Vacinas contra Covid vencidas estão avaliadas em R$ 2 bi; atual gestão culpa Bolsonaro e diz que outras 20 milhões de vacinas vencem em seis meses
O Ministério da Saúde perdeu ao menos 38,9 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, avaliadas em torno de R$ 2 bilhões.
Desse total, quase 2 milhões de unidades foram descartadas e 31 milhões estão encaminhadas para incineração. Já os 5,9 milhões restantes ainda serão encaminhados para descarte, de acordo com o Ministério da Saúde.
Em seu site, a pasta de saúde afirma que 399 milhões de doses contra a Covid foram aplicadas até hoje no país.
Vacinas contra Covid vencidas
Além disso, integrantes da Saúde culpam o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo acúmulo de vacinas contra Covid vencidas. Afirmam ainda que estudam doar vacinas a outros países como uma das formas de evitar novas perdas.
A pasta diz que 20 milhões vencem em seis meses, sendo que 5 milhões delas já nos próximos três meses.
Um dos motivos para estas perdas pode ser o fato de que estados e municípios ainda costumam rejeitar lotes com validade curta. Justamente pelo risco de o produto vencer.
De acordo com a atual secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, durante a transição de governo, a gestão Bolsonaro nem sequer compartilhou dados sobre os estoques com a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A gente pegou um governo com estoque de vacinas vencidas e para vencer, enquanto aquelas que precisávamos não tinham estoque. Não havia nem contrato [encomendando as doses] no caso das vacinas pediátricas e bivalentes.”
Ainda em declaração à Folha de S. Paulo, ela acrescentou:
“Se não fosse o negacionismo, essas doses não estariam nos estoques. Se tivesse acontecido um esforço, como estamos fazendo agora, com campanhas educativas, alinhamento com gestores municipais e estaduais, essas vacinas não teriam vencido.”
Perda de validade ainda em 2021
Segundo o ministério, aproximadamente 2 milhões de doses perderam a validade ainda em 2021. São lotes doados pelos Estados Unidos e já foram incinerados. Outros 9,9 milhões de vacinas expiraram em 2022. A partir de janeiro de 2023, perderam a validade mais 27,1 milhões de imunizantes para a Covid.
Procurado pela reportagem da Folha, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga disse que seus secretários eram os responsáveis pelo controle dos estoques.
“As vacinas foram adquiridas em função da população brasileira, como sabemos, a adesão às vacinas diminuiu depois do controle sanitário da doença em todo o mundo. Pelo que fui informado, a maior parte das vacinas vencidas são da Fiocruz.”
Em nota, a Saúde afirma que “a atual gestão do Ministério da Saúde se deparou [ao assumir o governo] com um cenário de 27,1 milhões de doses de vacinas contra Covid-19 sem tempo hábil para distribuição e uso”.
LAI
Ainda segundo a Folha, foi pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), dados sobre vacinas perdidas e recebeu a resposta de que 33 milhões de doses já foram descartadas ou enviadas para incineração.
Desse grupo, cerca de 12,4 milhões de imunizantes, avaliados em R$ 415 milhões, perderam a validade até o fim de 2022. O resto, quase 21 milhões de unidades, compradas por R$ 740 milhões, venceram em 2023.
O Ministério da Saúde disse ainda, por meio de sua assessoria de imprensa, que há outras 5,9 milhões de doses vencidas, que ainda serão encaminhadas para incineração.
Por outro lado, a tabela enviada pelo Ministério da Saúde não detalha se todas as vacinas foram perdidas por causa do fim da validade ou se, por exemplo, algum lote foi reprovado em testes de qualidade. No entanto, a reportagem confirmou com profissionais que atuam na pasta que todas as doses venceram.
Contudo, os dados enviados pela pasta também não confirmam o modelo de vacina que perdeu a validade. A partir dos números de lote, é possível verificar que ao há doses da Coronavac e da AstraZeneca/Fiocruz que foram ou serão descartadas.
Doses contra a Covid-19 vencidas por ano:
- 2021: 1.904.140;
- 2022: 9.922.430;
- 2023 (até 28/2): 27.125.070.
Total: 38.951.640
Herança
Por outro lado, a equipe de Saúde do governo de transição tratou o estoque de vacinas prestes a vencer como uma espécie de herança maldita. No relatório final, o grupo disse que havia “grande quantidade de vacinas com prazo de vencimento muito curto, por falha no planejamento, monitoramento e gerenciamento dos estoques”.
Desde 2018, as informações sobre estoques do Ministério da Saúde, inclusive de produtos vencidos, estão sob sigilo. A Folha fez diversos pedidos de acesso durante a gestão Bolsonaro, todos negados.
Por enquanto, a equipe de Lula decidiu compartilhar apenas os estoques perdidos.
Todavia, a secretária Ethel Maciel diz que a pasta se preocupa agora com as doses que vencem nos próximos três meses.
“As outras têm prazo de um ano, seis meses, e não temos preocupação com elas porque a gente está nesse movimento nacional pela vacinação e várias ações estão sendo pactuadas.”
Alertas
Vale lembrar que órgãos de controle, além de gestores do SUS, fizeram diversos alertas na gestão Bolsonaro sobre o risco de as vacinas perderem a validade.
Prova disso é que a Saúde já havia deixado vencer um estoque avaliado em R$ 243 milhões de vacinas, além de testes e outros itens, como também revelou a Folha, em 2021. Quase todos os produtos perderam a validade na gestão Bolsonaro.
TCU
Já o TCU, no começo deste mês, confirmkou que aproximadamente 2 milhões de doses de vacinas da Covid doadas pelos EUA foram descartadas.
Sendo assim, os ministros do tribunal decidiram aplicar multa de R$ 1 milhão ao general da reserva Ridauto Ribeiro, ex-diretor de logística da Saúde, e a Rosana Leite, ex-secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19, sob o argumento de que faltou planejamento ao aceitar uma doação de doses com validade curta. Os lotes doados chegaram ao Brasil cerca de um mês antes do fim da vida útil.
Ridauto afirma que todas as doses recebidas durante sua gestão foram mantidas em perfeitas condições de armazenagem, “não tendo havido qualquer perda de vacinas de Covid por dano ou armazenagem inadequada”.
Em relação à decisão de se adquirir ou receber vacinas (e das quantidades a serem adquiridas), ou o uso desse material, ou seja, “a decisão de enviá-lo ou não aos estados e DF, isso não competia ao órgão que eu dirigia, o Dlog”. Ele também declarou que os “gestores competentes” devem responder pelas compras e pelo período em que as doses ficaram estocadas.
Rosana Leite não se pronunciou ao ser procurada pela reportagem.
Sociedade Brasileira de Infectologia
O médico José Davi Urbaez Brito, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que na logística de vacinas há sempre o cálculo de uma perda, mas não desta dimensão.
O especialista disse ainda que o programa de vacinação não será prejudicado, uma vez que boa parte da população já está vacinada.
“De maneira alguma estou dizendo que justifica a perda de algo tão valioso. É lamentável. Isso é a tradução fiel de planejamento extremamente ruim num país como o nosso, que é gigantesco.”
Por fim, isso prova a falta de uma gestão mais precisa em aplicar, acoplar a compra, assim como sua correta conservação e programação farmacêutica com a distribuição no exato momento em que há vários grupos-alvos para a Covid, explica Brito.
*Foto: Reprodução/Unsplash (Braño)