Regulamentação da IA no Brasil é importante no sentido de mitigar os impactos e os potenciais riscos da tecnologia em áreas como o mercado de trabalho
Desde seu lançamento no final de 2022, o ChatGPT pertencente à startup norte-americana OpenIA, reacendeu o debate em diversos países sobre a necessidade de regulamentação da inteligência artificial (IA). O objetivo é mitigar os impactos e os potenciais riscos da tecnologia em áreas como o mercado de trabalho.
Regulamentação da IA
Além disso, no Brasil, apesar de já existirem algumas iniciativas empresariais e governamentais, ainda não há uma política pública que estipule as diretrizes para regulamentação da IA no país. É o que revelou pesquisadores participantes do primeiro evento on-line do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação de 2023, realizado no dia 27 de março.
Segundo Dora Kaufman, professora do programa de tecnologia da inteligência e design digital da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisadora dos impactos sociais e éticos da IA:
“Há algumas iniciativas setoriais voltadas a regulamentar a inteligência artificial no Brasil, mas que não se configuram como uma estratégia ou política pública. E temos que ter.”
Propostas
A professora disse ainda que dentre as propostas de regulamentação da IA existentes internacionalmente há oito que são consideradas mais relevantes, lançadas por países estratégicos nesse tema. Em comum, elas possuem orçamento definido para implementá-las e abrangem aspectos como os impactos da IA na educação e no mercado de trabalho.
Contudo, no Brasil, está em andamento a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), proposta pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e está em tramitação o projeto de lei de 21/20, que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da IA no país.
Aprovada no plenário da Câmara dos Deputados em setembro de 2021, após um período de consulta pública com duração de quatro meses, a proposta seguiu para tramitação no Senado, explicou Kaufman.
“Não sei qual o entendimento que os deputados que aprovaram a proposta têm sobre a inteligência artificial e temo que saia um projeto que não represente, de fato, o que é preciso para proteger o usuário, a reputação das instituições e a sociedade em geral.”
Razões para regulamentar
Por outro lado, na avaliação da pesquisadora, uma das principais razões pelas quais é preciso regulamentar a IA mundialmente é que se trata de uma tecnologia de propósito geral, que reconfigura a lógica e o funcionamento das sociedades.
“Se considerarmos os últimos séculos, tivemos três tecnologias de propósito geral anteriores à IA: o carvão, que deu início à Revolução Industrial, a eletricidade e a mutação genética.”
Entretanto, mesmo com a necessidade de regulamentação e da existência de propostas de políticas públicas, nenhum país conseguiu avançar nesse sentido, ponderou a pesquisadora.
Globalização
Outro motivo é a globalização, pois os dados usados para treinar os algoritmos de IA não têm nacionalidade, podendo ser oriundos de qualquer lugar do mundo. Além disso, as plataformas e os aplicativos utilizados hoje baseados nessa nova tecnologia foram desenvolvidos por empresas multinacionais, na maior parte norte-americanas.
Trata-se de uma tecnologia que não possui territorialidade, mas “é muito complexa e avança muito rápido”, diz Kaufman.
Empresas norte-americanas e privadas
Segundo a pesquisadora, atualmente o desenvolvimento da IA se concentra em cinco empresas norte-americanas e privadas, que definem o hype – a excitação exagerada sobre as potencialidades de uma nova tecnologia.
“Nós vivemos no ano passado também o hype do metaverso, que desapareceu e agora deu lugar à IA generativa. E isso está relacionado com a competição acirrada entre essas empresas que lideram a implementação da IA.”
Comissão Europeia
Contudo, o processo anda mais avançado na Comissão Europeia, que teve início em 2018, foi colocado em consulta pública em novembro de 2022, já teve mais de 3 mil emendas e ainda não chegou a um resultado final.
Vale destacar que algumas das dificuldades para regulamentar a IA são a necessidade de contemplar no processo dois agentes distintos – os desenvolvedores e os usuários – e uma lacuna de conhecimento dos reguladores em relação a essa nova tecnologia, que é complexa e cujo desenvolvimento é acelerado.
No caso específico do Brasil, outro obstáculo para determinar uma regulamentação para IA é a falta de profissionais especializados em áreas que dão sustentação a essa nova tecnologia, como a ciência de dados, revelou João Paulo Papa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru.
Além disso, segundo Marcelo Finger, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), o país precisa estabelecer um marco regulatório para a inteligência artificial, uma vez que as tecnologias que nela se baseiam não têm senso comum e geram resultados incontroláveis,
“Há um problema intrínseco na forma como a IA está sendo gerada para o uso do público. Precisamos controlar, pois os resultados gerados são incontroláveis.”
Novo formato
Promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista (ILP) em parceria com a FAPESP, o ciclo de eventos é dirigido a legisladores, gestores públicos e demais interessados.
A próxima edição está prevista para ocorrer no dia 24 de abril.
O evento pode ser assistido na íntegra no canal oficial do YouTube.
*Foto: Reprodução/Unsplash (Possessed Photography)