Em relação ao dever de revelação, problemas seriam evitados se os proponentes a árbitros cumprissem o prometido
A arbitragem ainda é aceita entre empresários e operadores do Direito brasileiros. No entanro, o instituto tem enfrentado uma crise de credibilidade. Isso porque alguns árbitros não contam às partes, ou às câmaras arbitrais, tudo o que deveriam. A falta de transparência nessas situações dominou os debates no mês passado, durante o 1º Fórum Internacional de Arbitragem de Brasília.
De acordo com advogado especialista em arbitragem, José Antonio Fichtner: “o Brasil está vivendo um momento crítico em relação aos diversos métodos de solução de controvérsias. Talvez tenhamos que fixar nossos olhos novamente no cliente – já que prestamos um serviço”.
Por sua vez, Alexandre D’Ambrosio, vice-presidente da Vale, revelou que o problema com árbitros tem sido tamanho que ele determinou que novos acordos firmados pela companhia não contenham cláusula determinando a arbitragem. “Voltamos ao bom e velho Judiciário.”
Contudo, D’Ambrosio contou que já ouviu casos de árbitros que fizeram parecer para uma das partes envolvidas na arbitragem e de julgadores arbitrais que também atuavam nas outras duas frentes possíveis do ramo: advocacia e produção de pareceres.
Dever de revelação
Segundo ele, todos esses problemas seriam evitados se os proponentes a árbitros cumprissem o dever de revelação. “O árbitro deve revelar até o que não acha relevante, pois as partes podem considerar a informação importante”, disse ele.
Impugnações
Porém, mesmo este não sendo o cenário, continuou D’Ambrósio, a Vale tem ingressado com impugnações por descobrir conflitos de interesse. Ele citou genericamente exemplos de casos envolvendo parentesco, sociedade com a defesa de uma das partes e até integrantes da Advocacia-Geral da União se colocando à disposição para arbitrar essas disputas privadas.
Lei da Arbitragem
Já o advogado Celso Xavier destacou que a própria Lei da Arbitragem coloca a confiança como pilar para o bom funcionamento do instituto. Isso porque os mecanismos jurisdicionais, que garantem revisões, por exemplo, não são aplicados aos processos arbitrais.
Xavier também criticou a falta de punições em casos envolvendo o dever de revelação. Ele colocou como um dos problemas a jurisprudência oscilante, sendo decidida “com certo casuísmo”, focando em saber se há base suficiente para anular o processo. Também reclamou de câmaras arbitrais que deixam o dever de investigar os árbitros para as partes. “É uma inversão de valores.”
Punições
Por outro lado, a falta de punições também resulta do medo de represálias. Um executivo de alto escalão contou à revista eletrônica Consultor Jurídico que muitas empresas preferem ignorar os desmandos desses julgadores privados por saberem que perderão a imparcialidade de outras câmaras arbitrais, por conta do corporativismo.
Resistência pública
E foi exatamente o problema com a falta de transparência e o corporativismo que motivou parte da resistência do setor público em usar a arbitragem, segundo André Mendonça, ministro do Supremo Tribunal Federal.
O ministro André Mendonça, do Supremo, lembrou sua experiência na AGU
Relembrando sua experiência na AGU, o ministro afirmou que a sensação era de insegurança pela opacidade do processo arbitral e também por ser um grupo muito restrito. “Isso não nos dava segurança sobre a imparcialidade.”
Para Mendonça, a solução passa por mecanismos de controle e de transparência, inclusive tratando do contato das partes fora do ambiente arbitral. O ministro também incluiu o Judiciário nessa equação para salvar a arbitragem. Entretanto, ponderou que essas respostas judiciais são “uma derrota quando se fala em autorregulação”.
A fala do ministro foi ao encontro das afirmações feitas anteriormente pelo ministro Luiz Fux, do STF. Ele reforçou a importância da arbitragem para o investidor e o setor produtivo. Todavia, ponderou que a “judicialização sempre prejudica” a imagem da arbitragem. A solução para isso, disse, é o árbitro revelar tudo. “Não há guarda de trunfos”, defendeu.
Modelo de negócio
O dever de revelação não é um problema para os austríacos, segundo a secretária-geral do Centro Arbitral Internacional de Viena (Viac), Niamh Leinwather. Neste caso, ela explicou que, na Áustria, o dever vale para tudo o que pode afetar o processo arbitral. “Isso é necessário para manter a reputação da instituição arbitragem.”
Tal linha de conduta, detalhou Leinwather, é uma resposta à demanda dos clientes por mais transparência em arbitragens. A especialista disse ainda que a solução para o clamor foi detalhar o processo de seleção de árbitros e disponibilizar uma lista com os nomes desses julgadores no site da câmara arbitral.
Dever de curiosidade
Em contrapartida, ao ser questionada sobre o “dever de curiosidade”, que é quando as partes são obrigadas a pesquisar o passado dos árbitros, sob pena de serem prejudicadas sem poderem reclamar posteriormente, Leinwather disse sequer saber do que se tratava, e afirmou que os árbitros na Áustria costumam revelar até mais do que o necessário.
Leinwather disse ainda que a solução para árbitros que guardam segredos é simples: eles são trocados caso haja indícios de que a imparcialidade pode ser comprometida. Quando isso é insuficiente, o caso de anulação é julgado pela corte constitucional austríaca, sendo uma média de cinco por ano, segundo a especialista.
Por fim, essas decisões, complementou Leinwather, são traduzidas para o inglês para aumentar a transparência em relação à arbitragem.
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